Lê o texto com atenção e responde depois ao questionário (duas partes):

Abaixo o mau-humor

No entanto, foi a propósito de um cozinhado que Robinson e Sexta-Feira discutiram pela primeira vez. Antigamente — antes da explosão — nunca podia haver dis­cussões entre ambos. Robinson era o amo. Sexta-Feira não podia deixar de obedecer. Robinson podia repreender, ou mesmo bater em Sexta-Feira. Agora, porém, Sexta-Feira era livre. Igual a Robinson. Podiam, portanto, zangar-se um com o outro.

Foi o que aconteceu quando Sexta-Feira cozinhou numa grande concha rodelas de serpente com uma guarnição de gafanhotos. Havia vários dias, de resto, que irritava Robinson. Nada é mais perigoso do que a irritação quando se é forçado a viver sozinho com outra pessoa. Na véspera Robinson tivera uma indigestão de filetes de tartaruga com mirtilos. E Sexta-Feira punha-lhe agora debaixo do nariz um fricassé de pitão com insectos! Robinson sentiu um vómito e, com um pontapé, atirou com a grande concha para a areia, de mistura com o conteúdo. Sexta-Feira, furioso, apa­nhou-a e brandiu-a por cima da cabeça de Robinson.

Iriam os dois amigos bater-se? Não! Sexta-Feira desapareceu.

Duas horas depois, Robinson viu-o voltar arrastando atrás de si, sem cuidado ne­nhum, uma espécie de manequim. A cabeça era feita com um coco, as pernas e os braços de hastes de bambu. Mas, além disso, estava vestido com velhas roupas de Robinson, como um espantalho para pardais. No coco, em cima do qual pusera um chapéu de marinheiro, Sexta-Feira desenhara as feições do amigo. Colocou o manequim de pé, junto de Robinson

Apresento-te Robinson Crusoe, governador da ilha de Speranza — disse-lhe.

Apanhou depois a concha suja e vazia, que ainda ali estava, e, com um rugido, quebrou-a em cima do coco, que caiu, no meio das hastes de bambu partidas. A seguir, Sexta-Feira desatou a rir e foi abraçar Robinson. Este compreendeu a lição contida nesta estranha comédia. Num dia em que Sexta-Feira comia grandes vermes de palmeira vivos, enrolados com ovos de formigas, Robinson, desesperado, foi até à praia. Esculpiu na areia molhada uma espécie de estátua deitada de barriga para baixo e com uma cabeça cujos cabelos eram algas. Não se via o rosto, escondido sob o braço dobrado, mas o corpo escuro e nu assemelhava-se ao de Sexta-Feira. Mal Robinson tinha acabado a sua obra, apareceu o índio, com a boca ainda cheia de vermes de palmeira.

Apresento-te Sexta-Feira, o comedor de serpentes e vermes — disse-lhe Robinson, mostrando a estátua de areia.

Arrancou depois um ramo de aveleira, que limpou de ramagens e folhas, e pôs-se a chicotear as costas e as nádegas do Sexta-Feira de areia, que fabricara com esse objectivo.

A partir daí, passaram a ser quatro a viver na ilha. Havia o verdadeiro Robinson e o boneco Robinson, o verdadeiro Sexta-Feira e a estátua de Sexta-Feira, e todo o mal que os dois amigos podiam fazer um ao outro — as injúrias, as pancadas, as zangas — faziam-no à cópia do outro. Entre si só trocavam amabilidades.

Michel Tournier, Sexta-Feira ou a Vida Selvagem, Ed. Presença

 

Questionário -   Parte 1

                           Parte 2

Nota: Por favor, escreve o teu nome, nº e turma no final da última resposta.