Um percurso…

Onde se escreve sobre Educação para todos, Metas e Exames nacionais.


Partilhei ontem, no meu perfil Facebook, este vídeo que me foi recomendado pelo meu querido amigo, Professor Jarbas Novelino, alguém que acompanha há já vários anos o meu trabalho em torno da utilização de blogues em educação. Só hoje pude vê-lo. Basicamente questiona, para o caso dos Estados Unidos, a aplicação do Common Core (uma iniciativa muito semelhante às das Metas Curriculares, implementadas a nível nacional de forma faseada) e a crescente importância dos Exames a nível nacional.

Comparar o caso americano ao português é, obviamente, perigoso, dadas as diferenças entre as duas realidades, diferenças essas a imensos níveis. Não consigo pronunciar-me sobre os efeitos nos sistema educativo da existência de Metas e Exames nacionais a não ser tendo em conta a minha experiência como Professora e como Mãe. Como Professora, “assustar-me-iam” tanto as Metas como o Programa, ou seja…. nada. Tive um Programa para cumprir sujeito a Exame nacional na maior parte dos vinte anos da minha carreira. Sou Professora de uma “área estruturante” como usa dizer-se. Ensinei Português no Secundário e ensino Português no Básico. Em ambos os contextos tive o privilégio de conduzir turmas durante 3 anos até ao final do percurso e ao encontro do Exame. Tive sempre turmas bastante heterogéneas. Não dei aulas em zonas especialmente favorecidas, ou desfavorecidas socialmente, ou seja, devo poder dizer que dei/dou aulas a uma amostra do que é a população nacional. Ter um Programa para dar e um Exame nacional nunca foi impeditivo de realizar o tipo de Avaliação que está legislado, Avaliação Formativa, que procurei sempre que fosse o mais autêntica possível. Sempre me debati com as dificuldades em diferenciar como eu gostaria, dificuldades essas sublinhadas pelo aumento de alunos por turma e pelo número de turmas no horário. Desde 2000, que de forma gradual, tento introduzir tecnologias no currículo, algo em que sinto que estou ainda muito longe do ideal. Fazer avaliação formativa significa, entre muitas outras coisas, que não recolho dois elementos de avaliação por período letivo para cada aluno, em cada turma. Significa que recolho dois aos quais posso chamar Ficha de avaliação formativa e recolho outros, vários, que no caso de um aluno com deficit num determinado domínio específico posso recolher e para outro aluno não. Significa que levo os alunos a entender que cada tarefa de aprendizagem é, de certo modo, uma tarefa de avaliação, se não para mim, para ele, que é o elemento mais importante do processo e necessita de compreender o que precisa ainda de evoluir no processo de aprendizagem. Se considero que as Metas podem ajudar nesse processo? Considero. Se considero que o Exame Nacional é um bicho-papão no final do processo? Não considero. E, se eu fizer bem o meu trabalho, eles também não consideram e fá-lo-ão com seriedade. Para que é que o exame serve? Para complementar a avaliação deles, para aferir de que modo a aprendizagem foi realizada a um nível macro. Não sei se serve para me avaliar a mim. Tornaria o processo ridiculamente injusto se servisse para comparar um docente do Colégio São João de Brito a outro docente de uma Escola Pública da Damaia, quando as “matérias-primas” são tão distintas e o Professor da segunda escola, imaginemos, desenvolveu uma série de estratégias fabulosas para os seus alunos de contexto social mais desfavorecido e menos estimulados intelectualmente pelos seus pais e com menos possibilidade e acesso a cultura, a tecnologias…. A um pequeno-almoço decente…. Sei lá….

Agora…. Uma pequena história como mãe. O filho mais novo iniciou o primeiro ano em setembro. Não está na minha Escola, onde eu sei que o procurar realizar uma avaliação formativa autêntica não obrigaria à marcação no calendário do primeiro período de dois momentos de avaliação sumativa. Os elementos foram sendo recolhidos, misso, imagino que sim. A criança está a frequentar outra escola pública. Entre a escola- nova, tipo centro escolar inaugurado em setembro, escolhi esta que tem 4 turmas apenas, uma de cada ano do 1.º ciclo. Apurei que a colega era uma pessoa experiente. Não fui ver as notas do exame nacional de 4.º ano dos alunos que ela deixou em Junho. É o tipo de coisa em que as variáveis são tantas que não podemos, aí está, usar isso para avaliar a qualidade do ensino. Avaliou-se a qualidade da aprendizagem daqueles alunos e, sobretudo, a forma como eles conseguiram demonstrá-la num momento pontual de duas horas em que podiam ter dores de barriga. Bom, o meu educando…. Fui surpreendida pela marcação mais que oficial do primeiro momento de avaliação sumativa (3 testes, em cada área, em 3 dias seguidos). Em dezembro terá o 2.º momento. Fiz alguma coisa especial? Fiz, procurei explicar-lhe o conceito de avaliação de desempenho e de “nota”. No fim de semana anterior perguntei se não achava melhor fazer umas atividades extra. Não obriguei mas fez, não muito convencido. Serviu para fazer uns ajustes (curiosamente, apenas sobre o empenho colocado no pintar de uma caixa com a maior quantidade de maçãs. O empenho é um fator importante. Logo a seguir à motivação do qual depende). Não interessa muito dizer qual o resultado final da primeira avaliação da vida dele; interessa perceber que ele ficou satisfeito, sobretudo que percebeu que está num caminho bom, da mesma que seria útil saber que o caminho não é ainda o melhor, mas é o caminho dele.

Face a isto podem pensar, mas a criança só tem seis anos? O que é que ele aprendeu? As vogais, os algarismos até, a noção de dezena, algumas coisas em estudo do meio, ainda não dois meses de aprendizagem e já é avaliado? Com um instrumento de avaliação sumativa? Com tão pouca coisa? Não. Com muito. Qualquer aprendizagem, por mínima que apreça, é imenso. É valor. É incentivo. E se fui surpreendida inicialmente (na minha escola isso não teria acontecido), agora sinto-me perfeitamente em paz e gosto, sinceramente gosto, de saber que ele sabe que começou um dos caminhos mais sérios da vida dele, juntamente com outros, muito sérios também, o das emoções, o das relações sociais.

Regressando ao vídeo. Se, como se diz no vídeo, o Exame nacional deixa de lado coisas importantíssimas que a Escola ensina (ou deve ensinar)? Deixa. Coisas como a criatividade, o pensamento crítico, o trabalho em equipa, a literacia digital, e …. valores. Se esse tipo de aprendizagens está contempladas nas Metas? creio que sim, implicitamente. Está nos referenciais das áreas transversais, na Educação para a Cidadania. precisamos de avaliá-las com um Exame? Conseguíramos? Não creio. Um bom professor precisa de Metas para não as esquecer. Não creio. Os Exames são um absurdo porque esquecem essas aprendizagens? Não. Os Exames são o que são. Um esforço de aferição. Sempre me serviram para organizar a aprendizagem. Os meus alunos de 9.º começam o ano com o exame nacional do ano anterior, ao qual retiro duas questões que não cabem em 90 minutos de aula ou se referem a conteúdos específicos ainda não trabalhados. Costumam falhar redondamente? Nada disso.

Em que ficamos? Dizei-me vós.

Related Posts with Thumbnails
Be Sociable, Share!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *